O ponteiro das horas marcava as mesmas de ontem, o dos minutos os mesmos de ontem, os segundos não. Uns 45 deles estavam atrasados.
O dia foi igual ao de ontem, saí as 7, desci as escadas para não esperar de mais ou de menos pelo elevador, levei já trocado o dinheiro da passagem e sentei-me ao mesmo banco, o mais próximo a saída e na poltrona que não dá para a janela.
As mesmas planilhas, o mesmo café, o almoço de quinta de sempre, os mesmos meio-sorrisos, as mesmas iminentes greves, os e-mails respondidos e os não-respondidos de sempre. O cartão batido na mesma hora. A mesma guerra pra subir e descer do ônibus de volta. Não entendo esses 45 a mais.
Em casa foi igual. Primeiro o sapato direito, depois o esquerdo. Paletó que se vai, gravata que se afrouxa, corpo que tomba na cama.
Roupa ao cesto, banho morno, toalha branca que repete o ritual: cabeça, rosto, peito, costas, sexo, pernas e pé.
Janta já feita pela empregada, que vai ao microondas nos mesmos 1:23 e louça deixada de lado para o seguinte dia.
A meia-luz, o vinho na taça, o jazz ao fundo e a leve abertura da persiana japonesa.
Os 45 excedentes gritam em meu peito quando olho pra rosa. Hoje foi dia de passar pela floricultura.
Sem os espinhos, ela fica bem em minha mão. Vou até a janela e ela desponta na esquina: Inconfundível.
Os cabelos em sua assimetria perfeita, o jeans surrado ao ponto, o cigarro que ganha vida na boca delicada, o corpo em assertivo prumo e o olhar que de súbito acerta o meu.
Fecho com força e desespero como de sempre a janela, estatelo-me na poltrona e como de costume pego o copo metade cheio e metade vazio de água e mando pra dentro o calmante.
Olho para rosa que teima em não largar a minha mão e por fim acho a sua morada dos próximos 7 dias, um jarro com água.
Mais uma semana sem atrasos.
Textos, crônicas, contos, poesias, prosas, memórias, fragmentos, impressões, amarguras, amores, desamores, conversas fiadas e afiadas, palavras achadas e talvez até mais as perdidas, caetanos e marias.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Memórias de um menino
Interior do Rio tem cheiro de café, bolo de milho e mistério. A casa enorme, os móveis antigos e o pé direito altíssimo lembram e confirmam a herança colonial e a presença da aristocracia rural. O grande quintal namora, com extremo louvor, a grama verde. O balanço pendurado na mangueira beija o vento sem temor. As galinhas vivem bem com os cachorros, dividem a comida e às vezes produzem cenas explícitas de carinho mútuo. Já os gatos... Esses são metidos! Não se misturam, são sempre os que se perdem para se encontrar. E no quartinho fora da casa que guarda todos os entulhos da família, tem uma parede lisinha que combina muito bem com o projetor que o papai comprou. São cinco desenhos que reprisam incessantemente durante os cinco dias de semana.
Nos finais de semana é hora de vestir a melhor roupa feita por vovó e ir com a família toda de camionete até o centro da cidade. E lá, bem em frente à praça, onde a carrocinha de pipoca e algodão doce tem a sua morada, fica a sala escura mais incrível que já visitei em toda a minha vida: o cinema! Ai o cinema... O glamour; a beleza; os galãs; as divas; as cenas de um mundo aparentemente distante a vistas grossas, mas completamente próximas de um coração apaixonadamente sonhador.
Não largo os papéis, a pranchetinha em forma de menino dorme ao lado do travesseiro. Os lápis, os gizes, as canetas, as tintas são encontrados em qualquer canto, a cada tropeção. As cores precisam de mim, eu tenho certeza disso. E aquilo que se reproduz é uma realidade do tamanho de um sonho, concretamente abstrata, aquilo que se vê porque queremos enxergar. Meu Deus, tudo que eu quero é a harmonia das formas.
Ouço a corneta estridente, que é amiga do ar, a soprar. Subo na caixinha de sapatos, que guarda a mesada que vovó me dá, e vejo: É ele. É ele!!! O circo chegou. Todas aquelas cores; as mulheres inigualáveis. Seja pela beleza estonteante das trapezistas ou o excesso de testosterona das barbadas; um globo com a terrível alcunha de morte; os animais muito maiores e mais ferozes que os daqui de casa; e a lona montada... o máximo! Eu duvido que o mais belo dos castelos seja tão majestoso quanto uma lona de circo; e a figura que mais me faz bem, que alegra a todos, que pouco importa se é baixa, alta, magra ou gorda. Aquela que pinta-se exatamente para reproduzir aquilo que escondemos, que nasceu para ser o que verdadeiramente somos. Os palhaços nunca envelhecem!
Mas como chegam, os circos partem, assim... Às vezes sem mais nem por que. Não é como a amiga chata da vovó que aparece, todos os dias, aqui em casa. O circo não cria raízes em terra alguma, a não ser na imaginação e nos sonhos daqueles que o viram passar.
A vontade de partir é iminente. Mas antes, preciso ver a mama de leite. Avisto-a de longe, com seu andar sereno, inconfundível, com sua pele preta e seus peitos fartos que serviram a minha boca nos primeiros momentos de vida. Ela me ensinou a rezar, mas não como a vovó. Era uma reza que carecia de mata, de árvore forte, de água em abundância. Uma reza falada numa língua que veio para cá através dos navios negreiros, uma reza falada e dançada! Ganhei um colar bonito. Um colar que fosse onde eu fosse eu jamais poderia tirar. Minha fortaleza, minha guia!
Tenho a certeza! A estrada é o destino...
A benção!!!
Nos finais de semana é hora de vestir a melhor roupa feita por vovó e ir com a família toda de camionete até o centro da cidade. E lá, bem em frente à praça, onde a carrocinha de pipoca e algodão doce tem a sua morada, fica a sala escura mais incrível que já visitei em toda a minha vida: o cinema! Ai o cinema... O glamour; a beleza; os galãs; as divas; as cenas de um mundo aparentemente distante a vistas grossas, mas completamente próximas de um coração apaixonadamente sonhador.
Não largo os papéis, a pranchetinha em forma de menino dorme ao lado do travesseiro. Os lápis, os gizes, as canetas, as tintas são encontrados em qualquer canto, a cada tropeção. As cores precisam de mim, eu tenho certeza disso. E aquilo que se reproduz é uma realidade do tamanho de um sonho, concretamente abstrata, aquilo que se vê porque queremos enxergar. Meu Deus, tudo que eu quero é a harmonia das formas.
Ouço a corneta estridente, que é amiga do ar, a soprar. Subo na caixinha de sapatos, que guarda a mesada que vovó me dá, e vejo: É ele. É ele!!! O circo chegou. Todas aquelas cores; as mulheres inigualáveis. Seja pela beleza estonteante das trapezistas ou o excesso de testosterona das barbadas; um globo com a terrível alcunha de morte; os animais muito maiores e mais ferozes que os daqui de casa; e a lona montada... o máximo! Eu duvido que o mais belo dos castelos seja tão majestoso quanto uma lona de circo; e a figura que mais me faz bem, que alegra a todos, que pouco importa se é baixa, alta, magra ou gorda. Aquela que pinta-se exatamente para reproduzir aquilo que escondemos, que nasceu para ser o que verdadeiramente somos. Os palhaços nunca envelhecem!
Mas como chegam, os circos partem, assim... Às vezes sem mais nem por que. Não é como a amiga chata da vovó que aparece, todos os dias, aqui em casa. O circo não cria raízes em terra alguma, a não ser na imaginação e nos sonhos daqueles que o viram passar.
A vontade de partir é iminente. Mas antes, preciso ver a mama de leite. Avisto-a de longe, com seu andar sereno, inconfundível, com sua pele preta e seus peitos fartos que serviram a minha boca nos primeiros momentos de vida. Ela me ensinou a rezar, mas não como a vovó. Era uma reza que carecia de mata, de árvore forte, de água em abundância. Uma reza falada numa língua que veio para cá através dos navios negreiros, uma reza falada e dançada! Ganhei um colar bonito. Um colar que fosse onde eu fosse eu jamais poderia tirar. Minha fortaleza, minha guia!
Tenho a certeza! A estrada é o destino...
A benção!!!
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Inferno Astral
Tudo faz mal
Dizem que é preciso não voltar-se pra si
Estão loucos
30 dias do jeito que o diabo gosta
Nada faz sentido
Hora de repensar o que não foi pensado
De projetar o que não pode ser domesticado
De mentalizar o que de mais mediano lhe convém
Hora de fazer um samba, meu amor
terça-feira, 13 de julho de 2010
Fragmento de uma escolha
Eu quero aquilo ali.
Ali onde são abrigadas calorosamente, com o maior dos peitos completamente aberto, nossas vontades mais sorrateiramente encobertas. Ali, que é o parque de diversões daqueles que estão cansados do furacão de hipocrisia que tem um epicentro bem diante de nossos narizes.
Eu quero aquilo que não tem nome.
Aquilo que deliciosamente roça meus lábios com sabor de perigo. O mel de tudo aquilo que não está aqui. Porque se aqui estivesse seria óbvio, enfadonho, careta.
Escolher é como pintar um quadro, filmar um plano, conceber uma cena. É um posicionamento frente a tudo. E assim, aproximamo-nos daquilo que nos é essencial através do que essencialmente é invisível, sagrado e profano.
Mas as escolhas são cruéis. Escolher uma rosa é antes de qualquer coisa deixar de escolher o restante do jardim.
Ali está o que pertence não a mim, mas ao que quero.
Ali onde são abrigadas calorosamente, com o maior dos peitos completamente aberto, nossas vontades mais sorrateiramente encobertas. Ali, que é o parque de diversões daqueles que estão cansados do furacão de hipocrisia que tem um epicentro bem diante de nossos narizes.
Eu quero aquilo que não tem nome.
Aquilo que deliciosamente roça meus lábios com sabor de perigo. O mel de tudo aquilo que não está aqui. Porque se aqui estivesse seria óbvio, enfadonho, careta.
Escolher é como pintar um quadro, filmar um plano, conceber uma cena. É um posicionamento frente a tudo. E assim, aproximamo-nos daquilo que nos é essencial através do que essencialmente é invisível, sagrado e profano.
Mas as escolhas são cruéis. Escolher uma rosa é antes de qualquer coisa deixar de escolher o restante do jardim.
Ali está o que pertence não a mim, mas ao que quero.
Camisa 10
Nos tempos de moleque com calça frouxa, sonhava em ser o camisa 10. A inspiração vinha de Pelé, Roberto, Zico (mesmo vestindo vermelho e preto), Romário ( ele gosta da 11, mas pra mim sempre foi o 10) e até Maradona. Quantas jogadas maravilhosas no Maracanã de meus sonhos já fiz, quantos gols no de título no último minuto... e tudo isso para no fim gritar, é isso mesmo: gritar! E depois ver a multidão gritando, o êxtase em estado pleno. Ah, quem conhece o futebol.
Como não seria o 10 do time, no máximo o 5, decidi pendurar as chuteiras - sem tempo inclusive para deleites com as Marias. O fluxo da vida levou-me para a faculdade federal, nada mais nobre e honrado para um cidadão de classe média e mentalidade mediana. Aí foi duro, não tinha mais gol de bicicleta! Tudo era tão esquemático, padronizado, pragmático. A burocracia, a mediocridade e o horizonte completamente restrito reinavam em solo acadêmico. Quanta saudade das peladas de rua.
Experimentação, transgressão, rompimento, desbravamento, e por vezes o radicalismo habitavam, dentro e fora, o ex eterno guri. Mas a receita dessa feijoada não tava certa, tinham errado na mão. Dor de barriga na certa!
Decidi me jogar, tentar driblar o zagueiro, memso sabendo que poderia encontrar um Mauro Galvão ou um Bellini pela frente. Fui pra rua, sem lenço, sem documento ( apenas com minha carteira de "meia-entrada") e com o grito entalado na garganta.
Não poderia chegar a outro lugar que não fosse aquele. Ali onde posso andar descalço e sem camisa como nos tempos de golzinho na Maestro - minha rua querida. Desde então, tudo mudou. Tenho a real certeza, absolutamente incerta, do que fui, deliciando-me exatamente com o sabor de não saber o que serei.
Tempo, tempo, tempo... Quero ficar Homem velho de Caetano, sem deixar de ser Odara.
É clara e evidente a transformação do gurizinho daqui, o corpo fala de outra forma, a experiência com o coletivo tem outro caráter que não o simples enchimento de uma sala de aula. A troca com o parceiro se faz necessária para a realização do trabalho.
Trabalho! Taí, já respiro o ar de um trabalhador. Mesmo que minha carteira empoeirada não tenha sido assinada. Não preciso. A assinatura própria faz de mim um operário.
E o grito, aquele que andava perdido, achou o lugar apropriado para ecoar: o palco! Esse que nos tempos de menino oniricamente era um gramado verde, agora tem outra cara. Tem cheiro de madeira, de cimento velho, de praça cheia... Mãe, seu filho achou no Teatro a maneira de ser o camisa 10.
Como não seria o 10 do time, no máximo o 5, decidi pendurar as chuteiras - sem tempo inclusive para deleites com as Marias. O fluxo da vida levou-me para a faculdade federal, nada mais nobre e honrado para um cidadão de classe média e mentalidade mediana. Aí foi duro, não tinha mais gol de bicicleta! Tudo era tão esquemático, padronizado, pragmático. A burocracia, a mediocridade e o horizonte completamente restrito reinavam em solo acadêmico. Quanta saudade das peladas de rua.
Experimentação, transgressão, rompimento, desbravamento, e por vezes o radicalismo habitavam, dentro e fora, o ex eterno guri. Mas a receita dessa feijoada não tava certa, tinham errado na mão. Dor de barriga na certa!
Decidi me jogar, tentar driblar o zagueiro, memso sabendo que poderia encontrar um Mauro Galvão ou um Bellini pela frente. Fui pra rua, sem lenço, sem documento ( apenas com minha carteira de "meia-entrada") e com o grito entalado na garganta.
Não poderia chegar a outro lugar que não fosse aquele. Ali onde posso andar descalço e sem camisa como nos tempos de golzinho na Maestro - minha rua querida. Desde então, tudo mudou. Tenho a real certeza, absolutamente incerta, do que fui, deliciando-me exatamente com o sabor de não saber o que serei.
Tempo, tempo, tempo... Quero ficar Homem velho de Caetano, sem deixar de ser Odara.
É clara e evidente a transformação do gurizinho daqui, o corpo fala de outra forma, a experiência com o coletivo tem outro caráter que não o simples enchimento de uma sala de aula. A troca com o parceiro se faz necessária para a realização do trabalho.
Trabalho! Taí, já respiro o ar de um trabalhador. Mesmo que minha carteira empoeirada não tenha sido assinada. Não preciso. A assinatura própria faz de mim um operário.
E o grito, aquele que andava perdido, achou o lugar apropriado para ecoar: o palco! Esse que nos tempos de menino oniricamente era um gramado verde, agora tem outra cara. Tem cheiro de madeira, de cimento velho, de praça cheia... Mãe, seu filho achou no Teatro a maneira de ser o camisa 10.
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